abotcha
Abotcha (Balanta), Na Tchon (Kriol) que significa literalmente “na terra”, “no chão” são utilizados para abordar uma condição situada ou processos que acontecem num local que são lidos e codificados pelas especificidades, fenómenos e conhecimento do local. Na terra há o humus, que liga também à humildade e horizontalidade deste projeto. Aqui é também utilizado para referir o local onde o edifício da Mediateca foi implantado.
cine-afinidades
Ciné-afinidade é uma forma de relação que se desenvolve a partir do interesse comum em vários aspectos ligados ao cinema. O conceito aplica-se também a uma certa prática cinematográfica e arquivística que transcende a produção e visualização de filmes, materializando-se numa espécie de cine-ontologia baseada num entendimento do encontro enquanto abundância. As relações cine-ontológicas valorizam as áreas de relação e entrelaçamento como um lugar para habitar o comum como alternativa à sensação de escassez projectada sobre o indivíduo neoliberal. Os ciné-kins não ignoram as assimetrias e as diferentes posições, e respeitando as opacidades no interior das relações, optando por criar espaços para habitar os problemas e conflitos a que todos estamos sistematicamente expostos. Os ciné-kins vêem o cinema como um lugar de potencialidades onde é possível imaginar formas de união e justiça para além de qualquer política identitária que promove separação, confiando que será no emaranhado crioulo que nos podemos encontrar.
forças
Este conceito de forças desloca a perspectiva para os aspectos imateriais e latentes deste arquivo: a promessa inscrita no material e o seu projecto de emancipação, a supressão colonial, a resistência, o impulso de libertação, o gesto empático ou estratégico de solidariedade e a nova produção de subjectividades. A ideia de Estado, nação, direito, independência e constituição tomam forma em representações e rituais directamente em frente da câmara. As forças motrizes: A agência do medo, luta e educação; A arma da Teoria (Amílcar Cabral); a latência do animismo; as ondas sónicas; a potência da prática colectiva de ver filmes juntos.
geografias
Este conceito localiza o arquivo guineense no país da África Ocidental, a Guiné-Bissau. Os indicadores geopolíticos históricos revelam ligações – por vezes substanciais, por vezes efémeras – ao Senegal, Cuba, Argélia, Tanzânia, República Democrática da Alemanha, República da Guiné-Conakry, União Soviética, Angola, Portugal, China, Índia, Roménia, Suécia e outros. A noção de geografia deve trazer à tona o que Édouard Glissant chamou de “relação”, os caminhos do intercâmbio que nunca são unidireccionais e cujo significado raramente é inequívoco. A relação é independente da genealogia, é empática e rejeita a busca e a ligação a uma origem. Também as ideias latentes de Amílcar Cabral, o líder da libertação cujo sucesso como estratega de guerrilha foi profundamente informado pela sua perícia como agrónomo, estão embutidas nesta compreensão da geografia. Esta noção ecoa o que Ros Gray e Kodwo Eshun definiram como cine-geografia.
granja
Em 1952, como novo director da Granja Estatal de Pessubé em Bissau, Amílcar Cabral converteu-a num projecto de experimentação agrícola, já sinalizando a sua visão pós-independência definida por três princípios principais: 1. Converter as hortas e jardins coloniais de recreio desenvolvidas para as elites, num campo de investigação agrónoma para revolucionar e desenvolver a produção agrícola do país. 2. derrubar as barreiras de classe e, assim, aproximar os agricultores dos cientistas e da administração. 3. interagir e trocar práticas agrícolas guineenses com as de outros países. A Mediateca Onshore opera de acordo com estes princípios, prevendo um campo fértil para culturas, experimentação, diálogos e partilha de conhecimentos entre diferentes agro(culturas) e desenvolvendo a agro-poética. Granja tem a sua origem na palavra latina “granica”, derivada de “granus” (grão). Inspirado por este conceito, Mediateca Onshore é um espaço onde são semeados pequenos grãos que se multiplicam em culturas floridas. Neste site é o espaço onde são apresentados alguns dos resultados/frutos das actividades, publicações, filmes, etc. da Mediateca.
luta ca caba inda
O projecto em torno do arquivo militante da Guiné-Bissau foi intitulado Luta ca caba inda (A luta ainda não terminou). O termo deliberadamente impreciso, é também uma força e deriva de uma bobina encontrada no arquivo inerente a um filme documentário de 1980 sobre a Guiné-Bissau pós-independência, abandonado no processo de edição. O título amaldiçoava a conclusão do filme, a luta como também este projecto nunca concluído. No decurso do projecto Luta ca caba inda, uma série de eventos discursivos e exibições públicas foram dedicadas à activação das potencialidades deste acervo. A Luta ca caba inda, enquanto colectivo informal de pessoas e práxis, permite o surgimento de uma ecologia de relações e espaços de cuidado e subjectividade, materializando-se em assembleias colectivas onde as imagens e sons do arquivo são discutidos entre cineastas e cinéfilos, as audiências europeias e africanas. Aqui o cinema actua como uma sala de montagem colectiva e como assembleia para reflectir sobre as condições do presente, prospectivando novos futuros.
macaré
Macaré (onda da maré) é um fenómeno natural que ocorre apenas em alguns lugares do mundo (por exemplo, na Amazónia e no rio Geba) e mostra a colisão da água do rio com as ondas do oceano no início da maré. É melhor percebida como uma onda que evolui na nova lua do equinócio do Outono, ou seja, no final da estação das chuvas em Agosto e Setembro. Na mediateca esta palavra é utilizada para organizar cronologicamente a ocorrência dos encontros e eventos.
materialidades
A materialidade aborda o estado material dos próprios componentes do arquivo e os desafios teóricos e práticos por ele colocados. O filme de celulóide bem como o seu estado de decadência e as várias patologias que apresenta, as marcas de produção precária e subsequente negligência, tudo isto aporta ao arquivo militante guineense uma estética específica. A síndrome do vinagre, a doença do filme, tem como um dos seus componentes uma gelatina animal. O filme enquanto matéria decomponível determina uma espécie de processo arqueológico ao mesmo tempo que sugere a necessidade de adoptar procedimentos e implementar políticas subsequentes à digitalização e re-visão.
meteorização
No seu trabalho agronómico, Amílcar Cabral sublinhou a importância de definir o solo não pelo seu aspecto “estático-morfológico”, mas pelas suas variáveis e pelo seu potencial relacional e dinâmico: “O ser de onde provém o solo é a rocha”. Pela acção de agentes naturais, ele é fragmentado e desintegrado, formando o que em Pedologia é chamado de “material original”. É a ‘meteorização’ da rocha”. Cabral elabora sobre uma coevidade de forças “litos” (pedra) e “atmos” (clima), uma zona de conflito e transformação entre elementos independentes a partir dos quais a vida é possível. A meterorização – o choque entre lithos e atmos – envolve dois elementos em contradição relacional. Este impulso geomântico, um canal de leitura da terra – o seu futuro inscrito nos seus diferentes passados – dá acesso a uma epistemologia da edafosfera (a camada de solo que sustenta e cria múltiplas formas de vida interligadas) que fala de como elementos discretos do solo contêm informações valiosas para a luta pela descolonização.
na tchon
Significa ‘no terreno’ em Crioulo. Na Tchon também se refere aos ensinamentos de humildade que Sana na N’Hada tem vindo a partilhar ao longo da sua vida e trabalho.
onshore
Nomeámos a Mediateca Onshore para atender à necessidade de um local seguro para acomodar o arquivo guineense e as suas activações. As offshore sempre foram lugares de extrativismo e comércio onde a responsabilidade, as taxas e os impostos são suspensos a favor de algumas entidades distantes, desconsiderando o impacto a nível local. A palavra Onshore começou a ser utilizada nas nossas conversas por oposição aos processos económicos neoliberais, coloniais e neocoloniais a que locais, como a costa ocidental africana, têm sido submetidos ao longo de muitos séculos.
salton
Os saltões (salton em Kriol)são seres anfíbios, da família Oxudercidae e da subfamília Oxudercinae. Existem 32 espécies de saltões, na Guiné a espécie predominante é Periophtalmus papilio (Saltão-da-vasa em PT e Salton em Kriol). Os saltões são conhecidos pelo seu aspecto invulgar e pela sua capacidade de sobreviver tanto dentro como fora de água. O saltão acompanhou a nossa pesquisa sobre os mangais e tornou-se o símbolo mediateca.
tarafe
Árvores que crescem ao longo da terra periodicamente inundadas pelas marés. “se te estiveres a afogar na água, tem em mente que mesmo o ramo de um mangue que passa, se o agarrares, acredita que ele te pode salvar”; “já ninguém se atreveu a viver na aldeia, todos se mudaram para o mangue, todos se mudaram para a selva” (Carmen Pereira.) Sci. “Luguncularia racemosa”; “Avicennia africana”; “Rhizophora mangle”; mangrove macaco n., * zona marginal de estuários e rios sujeitos a marés. Aqui a palavra tarafe, mangue, é também utilizada como o local de recolha de um léxico de palavras cujo significante é preenchido com experiência, contexto, situações e vários significados. Tarafe é o local de codificação, ligação e curto-circuito; é um local de ocultação, de passagem ou de obstrução. Mantém segredos não revelados, respeita o direito à opacidade, mas também dá pistas para ligar, relacionar e assimetrias de atenção. Portanto, os significados no léxico Tarafe não são inequívocos e muitas vezes intangíveis.